BRUNO LARA

Bruno Lara é jornalista e escreve sobre comunidade diariamente neste espaço.

OPINIÃO | Empresa comprou Corsan por quase metade do valor que recebeu para cuidar do esgoto na Região Metropolitana

Mais de 300 cidades ao redor do mundo, como Atlanta (Estados Unidos), Berlim (Alemanha) e Buenos Aires (Argentina) voltaram atrás da privatização após experiências trágicas.

Eu sei que para nós, você e eu, os R$ 4 bilhões que o consórcio Aegea vai pagar para comprar a Corsan é muito dinheiro. Mas para o mundo dos negócios, o famoso “mercado”, isso não é nada, uma pechincha quase inacreditável.

Nós estamos preocupados com os buracos que nunca são fechados nas ruas, a conta que só aumenta e a água marrom que chega às torneiras. Mas isso, sinto lhe decepcionar, não vai mudar. Ou estamos felizes com os fios nos postes e com o serviço prestado pela Sogal nos ônibus? Isso não é coisa do poder público. Aliás, falando em saneamento básico, aqui em Canoas mesmo, do nosso lado, mais de 360 famílias ainda não tem nem banheiro.

É bem complexo, mas eu te explico. Segue o raciocínio!

O grupo Aegea foi quem arrematou a Corsan no leilão da bolsa brasileira B3, em São Paulo, com lance único. Isso quer dizer sem outros concorrentes, sem competir com ninguém. Isso porque todos os interessados se juntaram e montaram uma espécie de consórcio. O Grupo Perfin, a Kinea – que é ligada ao banco Itaú – e a Itaúsa, que tinham interesse, optaram por ficar de fora e apostaram as fichas na Aegea.

São nomes de fora e pouco conhecidos de quem vive o dia-a-dia da cidade focado em seus próprios problemas. Mas esse grupo é muito próximo e conhecido dos canoenses: são donos da Ambiental Metrosul.

Sim, essa empresa mesmo que fechou, em 2020, uma Parceria Público-Privada para assumir a coleta e o tratamento de esgoto em nove municípios da Região Metropolitana pelos próximos 35 anos. Para isso, a Corsan pagou a vencedora R$ 6,9 bilhões.

A conta é simples. Vejamos: dois anos depois, o grupo voltou e comprou a companhia inteira por menos do que recebeu para realizar o serviço de esgoto em alguns poucos municípios da Região Metropolitana. Pegou o raciocínio?

A defesa dos novos ditos liberais é que isso tira custos do estado e acaba com os cabides de emprego de políticos. Mas esse pensamento é errado, pois pode ser que só mude quem serão os contratados no cabide. Agora, em vez do governo indicar os gestores da Corsan, podemos ter aqueles velhos e conhecidos casos de indicação de parentes e presentes para políticos que tem muito mais patrimônio do que seu salário permitiria.

E antes que os liberais de Google venham usar exemplos externos, nos Estados Unidos mais de 2,2 milhões de pessoas não tem acesso à água potável. Lá, cada estado tem o seu próprio sistema e os serviços de água privados custam quase o dobro dos públicos, com muito menos acesso. Fora isso, mais de 300 cidades ao redor do mundo, como Atlanta (Estados Unidos), Berlim (Alemanha), Buenos Aires (Argentina), Budapeste (Hungria) e Paris (França) voltaram atrás da privatização após experiências trágicas.

Grandes investimentos devem ocorrer para o desenvolvimento desta área, dizem outros. Segundo o grupo, porém, esse dinheiro deve vir do Banco Regional de Desenvolvimento (BRDE), banco público que terá o atual governador do RS, Ranolfo Vieira Jr., como presidente. Aliás, o ex-procurador-geral de Justiça do Estado, Fabiano Dallazen, que comandou o Ministério Público gaúcho entre 2017 e 2021, começou a trabalhar no grupo como diretor de relações institucionais. Nenhuma acusação ou ilegalidade aqui. Mas, convenhamos, são muitas coincidências ao mesmo tempo.

Até 2027 não haverá aumento de tarifa, apenas atualização normal dos valores. Isso está no contrato e não pode. Mas sabemos como o tempo passa rápido, né?! E quando não gostar do serviço, pode escolher outra fornecedora de água, como faz com a sua internet? Não! A diferença é que não há 4G que salve na hora que ficar sem esse recurso natural único.

A Corsan é uma estatal gaúcha presente em 307 municípios, com cerca de 6 mil funcionários e atende mais de dois terços do estado. A garantia é de que os empregos serão 100% gaúchos, sem fazer demissões em massa para trazer trabalhadores de fora. Novos empregos, inclusive, devem ser gerados.

O mais estranho é que a companhia dá lucro. Sim, lucro líquido. Foram R$ 350,4 milhões em 2021 e R$ 1,8 bilhão em 2020. Eu sei que há um passivo enorme, superior a R$ 10 bilhões na empresa. Mas isso não é exclusividade das estatais e, se fosse tão difícil de resolver, qual motivo para tanto interesse em comprá-la?

Cria-se uma situação muito perigosa. É a primeira vez na história do Brasil que uma companhia inteira de saneamento é privatizada. Não há caminhos alternativos para a água. Pode dar certo, mas e se não der? O que pode ser feito? Todas até agora, sobretudo no Rio de Janeiro, Alagoas e Amapá, são arrematadas em blocos, mas sem perder o modelo estatal.

Além disso, a Constituição Estadual (sim, todos os estados tem sua própria constituição) deixa claro que o RS tem a obrigação de ter alguma estrutura que garanta o saneamento básico. Esse é um dos motivos judiciais que tentam barrar o negócio. Isso depende da Assembleia Legislativa, que sempre pode mudar de ideia a qualquer momento. Veremos o que o futuro nos aguarda.

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