O Rio Grande do Sul pode enfrentar uma nova enchente devido às mudanças climáticas causadas pelo aquecimento dos oceanos e pelo derretimento das geleiras da Antártica. O climatologista Francisco Eliseu Aquino apresentou essa previsão na última segunda-feira (3), após participar de uma expedição em torno do continente congelado.
Depois de 70 dias de pesquisas, o navio russo Akademik Tryoshnikov atracou no Porto de Rio Grande, no sul do Rio Grande do Sul, na sexta-feira passada (31). Na última segunda, uma comitiva de pesquisadores que esteve em alto-mar concedeu uma entrevista coletiva no Centro Cultural da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
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Aquino explicou que a frequência dos ciclones extratropicais deve aumentar nos próximos anos. Segundo ele, o Rio Grande do Sul pode sofrer uma nova inundação semelhante à de maio de 2024.
“Em 30 anos, devemos repetir maio de 2024”, afirmou.

O climatologista ressaltou que o primeiro evento climático extremo associado à influência da Antártica ocorreu em 29 de janeiro de 2016, também no Rio Grande do Sul, quando um temporal de grandes proporções causou estragos em diversas regiões do Estado.
Aquino destacou que 2024 foi o ano mais quente do século e que 22 de julho registrou a maior temperatura já medida no planeta.
“Isso aconteceu por causa das ondas de calor ao redor da Antártica. As massas de gelo não conseguiram resfriar o planeta no auge do inverno”, explicou.
Estudo diz que Rio Grande do Sul deverá ser atingido por nova enchente: elevação do nível do mar
O professor Jefferson Cardia Simões, coordenador da expedição, alertou que o aquecimento das água marítimas, responsável pelo derretimento das geleiras, pode trazer danos irreversíveis ao modo de vida humano a médio e longo prazo.
“Alguns cenários indicam que o nível do mar pode subir de seis a sete metros nos próximos 300 anos. Nesse caso, Porto Alegre ficaria submersa”, pontuou Simões. Ele explicou que essa elevação aumentaria o nível da Lagoa dos Patos, que desemboca no Guaíba, afetando inclusive a região metropolitana da Porto Alegre.
O professor citou a geleira Thwaites, conhecida como “geleira do Juízo Final”, que está em processo acelerado de derretimento. Essa geleira, a maior do mundo, tem aproximadamente 120 quilômetros de diâmetro, o equivalente ao tamanho da Grã-Bretanha. Seu colapso poderia causar impactos catastróficos.
Menos salinidade e mais acidez nos oceanos
Simões explicou que o Oceano Austral, também chamado de Oceano Antártico, aquece de três a quatro vezes mais rápido do que outros oceanos. Além disso, está menos salino devido ao contato com a água do derretimento das geleiras. Esse fenômeno agrava outro problema: o aumento da acidez oceânica, o que preocupa os cientistas.
“Esses oceanos frios absorvem grande quantidade de dióxido de carbono (CO2), funcionando como tampões naturais. Atualmente, cerca de 40% do CO2 lançado na atmosfera é absorvido por eles. No entanto, com a crescente acidez, essa capacidade está diminuindo”, alertou.
Microplástico no gelo
Durante a expedição, os pesquisadores coletaram 90 metros de testemunhos de gelo, amostras cilíndricas extraídas de geleiras. Além disso, lançaram 43 balões atmosféricos para monitorar as condições climáticas ao longo do percurso.
As análises preliminares já revelaram a presença de microplástico, resíduos de queimadas da Amazônia e outros poluentes orgânicos persistentes. O cientista Filipe Gaudie Ley Lindau, que integrou a expedição, explicou que esses resíduos chegaram à Antártica por meio de correntes marítimas e da atmosfera. Agora, laboratórios ao redor do mundo irão analisar o material coletado.
Alguns danos já são irreversíveis
Apesar das discussões globais para conter o aquecimento do planeta, Jefferson Cardia Simões enfatizou que alguns danos já são irreversíveis. Ele afirmou que as medidas propostas na Conferência das Partes (COP) visam apenas conter os impactos.
“Os gases de efeito estufa permanecem na atmosfera por décadas ou até séculos. Lançamos uma quantidade enorme no ambiente e aumentamos a concentração de CO2 em mais de 40% nos últimos 180 anos. Mesmo que consigamos reduzir esse aumento para 20% ou 30%, a temperatura ainda deve subir cerca de três graus, trazendo todas essas consequências”, explicou.
Se as emissões não forem contidas, Simões alertou que os oceanos podem aquecer até cinco graus ou mais, tornando o comportamento do sistema climático imprevisível.
A reitora da UFRGS, Márcia Barbosa, também participou do evento e defendeu a transição energética para uma matriz renovável e menos poluente. Ela destacou dois grandes fatores que impulsionam a poluição.
“O Brasil lidera as emissões de gases poluentes devido às queimadas. Combater esse problema é essencial. Outro fator é a agricultura e a pecuária. Precisamos adotar práticas de baixo carbono e investir na transição energética. A UFRGS tem pesquisadores dedicados a esse tema” ressaltou.
A pesquisadora Venisse Schossler, professora de Geografia da UFRGS e integrante da expedição, também participou do encontro.
Sobre a expedição
A Expedição Internacional de Circum-navegação Costeira Antártica (ICCE), liderada pelo Brasil, foi coordenada pelo professor Jefferson Cardia Simões, do Centro Polar e Climático (CPC) da UFRGS.
O grupo contou com 57 pesquisadores de sete países: Argentina, Brasil, Chile, China, Índia, Peru e Rússia. Entre eles, 27 brasileiros estavam vinculados ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera (INCT) e ao Programa Antártico Brasileiro (Proantar/CNPq).
Ao longo de 70 dias, os cientistas percorreram mais de 29.316 quilômetros da costa antártica, coletando amostras e realizando estudos para entender melhor os impactos das mudanças climáticas. Além da relevância científica, a missão reforçou o protagonismo do Brasil nos fóruns internacionais sobre a Antártica e exemplificou a diplomacia da ciência, que utiliza a cooperação científica para fortalecer relações internacionais e compartilhar conhecimento.
Para percorrer a costa antártica, a expedição utilizou o navio quebra-gelo científico Akademik Tryoshnikov, do Instituto de Pesquisa Ártica e Antártica, localizado em São Petersburgo, na Rússia. A iniciativa teve 97% de seu financiamento garantido pela fundação suíça Albédo Pour la Cryosphère, com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs).