Às 17h17 desta quinta-feira, 22, a secretaria da Câmara de Canoas deu protocolo a um inédito pedido assinado pelo advogado Marcelo Fontella Silva, o Marcelo SF. Trata-se de ‘Denúncia por infrações político-administrativas’ que, no frigir do ovos, pede a cassação do prefeito Jairo Jorge, afastado do cargo desde 31 de março em razão das investigações da Operação Copa Livre. É dela, aliás, que Marcelo tira os argumentos para o pedido de impeachment de JJ: por conta do que o Ministério Público diz que Jairo fez, ele teria incorrido nas implicações dos parágrafos VII, VIII e X do artigo 4º do Decret-Lei 201/1967 – o temido decreto que estabelece os ritos para reponsabilização de prefeitos e vereadores.
Um decreto da época da ditadura, diga-se de passagem.
Para Marcelo, as investigações que o MP está fazendo contém provas de que JJ teria praticado atos contrários à lei ou se omitido; se omitido ou negligenciado a defesa de interesses do Município; e procedido de modo incompatível com a dignidade do cargo. Para que elas possam ser discutidas pelos vereadores, Fontella quer que a Câmara requeira ao MP as análises técnicas produzidas a respeito das investigações, especialmente as das denúncias que já foram entregues à Justiça em junho e setembro de 2022.
A defesa de Jairo Jorge, por óbvio, nega. Em nota publicada nas redes sociais, o prefeito tratou o pedido de impeachment como um “instrumento político para tentar desgastar Jairo Jorge através de um factoide sem chance de prosperar”. Seu advogado, Adão Paiani, foi bem mais além. Ele avalia que a peça de Marcelo Fontella é “midiática e golpista”, atribuindo a arquitetura do plano a um grupo político específico que seria liderado pelo prefeito em exercício, Nedy de Vargas Marques, “que não tem voto para ser prefeito e quer chegar lá no tapetão”.
“Vamos tomar todas as medidas cabíveis para garantir que esse processo não prospere. Nossa avaliação é que o pedido sequer tem condições de admissibilidade, embore respeite o trabalho do colega Marcelo Fontella”, disse Adão Paiani. “Se for admitido, esperamos que a Câmara seja responsável e arquive sem demora”. Ele garantiu, ainda, que em respeito à cautelar, Jairo Jorge não fará movimentos pela rejeição do impeachment, mas não descarta que o grupo político do qual faz parte o faça.
O relógio que não para
O calendário apertado até o final do ano legislativo deixa nebuloso o eventual andamento do processo ainda em 2022. De acordo com o Decreto-Lei 201, o presidente da Câmara tem até a próxima sessão para submeter a abertura da comissão processante ao plenário da Casa. Isso aconteceria na próxima terça-feira, 27. No entanto, há uma brecha para adiar por uns dias esse passo: o presidente pode pedir uma análise à Procuradoria da Câmara para saber se o pedido está de acordo com o que determina a legislação, o decreto-lei, a lei orgânica e o regimento interno.
Se fizer isso, Link adia necessariamente uma eventual abertura do processo de impeachment contra Jairo Jorge para o ano que vem. Como a última sessão do ano acontece no dia 28, a próxima sessão para leitura do pedido, só em fevereiro – após o fim do recesso de verão.
Tempo suficiente para que a política – e a cidade, enfim – assimile a bronca e os efeitos de um processo dessa magnitude.
Políticos sendo políticos
O efeito político do pedido de impeachment ainda será medido ao longo dos próximos movimentos, mas a maioria dos vereadores se dividiu em dois grupos: os que acharam a inicial de Marcelo Fontella uma metafórica katiúcha soviética disparadora de mísseis da época da segunda guerra e outros que entenderam que o rugido do leão foi maior do que o tamanho do bicho. Para os que pensam que JJ deve ser sumaria e imediatamente tirado de cena, o pedido serve; para os que querem mantê-lo politicamente vivo, também. Por mais estranho que pareça, todos estão, de certa forma, aliviados.
Imediatamente após a chegada do pedido à Câmara, o ‘Bloco dos 7’ fez uma reunião na sala da presidência para avaliar a situação. Combinaram de discutir o impeachment nos próximos dias: a pauta, naquele momento, seria a eleição da presidência da Câmara, marcada para 28 e antecipada para o final da sessão desta quinta. Engana-se quem acha que os assuntos estão dissociados.
Previsões na borra do café
É impossível dizer o que vai acontecer com o processo de impeachment apresentado contra o prefeito Jairo Jorge na tarde desta quinta-feira, 22. Para ser aberto, precisa ser lido em uma sessão ordinária e aprovado com o voto de 11 dos 21 vereadores. Depois, o processo corre com ritos e determinações rigorosas definidos pelo decreto-Lei 201/1967. E, só depois, o voto dos vereadores decide se Jairo perde ou não o mandato.
Qualquer previsão, agora, seria achismo.
Mas vale, pela ocasião, lembrar de um ensinamento ouvido do ex-ministro Eliseu Padilha, notório conhecedor dos caminhos do Congresso e do andamento da política. Uma vez, ele disse que a Câmara dos Deputados se dividia em dois grupos: um deles, com cerca de 30 parlamentares, representava o que de pior há na política brasileira. “Bandidos mesmo, pessoal inescrupuloso e sem palavra”, referiu. E, do outro lado, outros 30 que poderiam ser imediatamente canonizados. “Gente que se pauta pela ética e pelo compromisso do partido, da ideologia que defende e da pauta que ocupa no Congresso”. Pois bem: e o resto? “O resto fica do lado de quem está mais forte”.