11.4 C
Canoas
23 de junho de 2025

CANOAS | Família ganha na justiça o direito de plantar e cultivar maconha em casa

Foto: Jaime Zanatta/GBC

Da redação | Uma família de Canoas, na Região Metropolitana, ganhou na justiça o direito e plantar e cultivar a Cannabis Sativa, planta que dá origem à maconha. A decisão, da 4ª Vara da cidade, é inédita no Rio Grande do Sul.

A mãe da pequena Carol, a professora Liane Pereira, ingressou com o pedido na justiça em 2016. Quase dois anos depois, foi autorizado que ela pudesse produzir de forma caseira o óleo canabidiol, o CDB. O medicamento que é feito à base da planta e liberado pela Anvisa é para manter controladas as crises que a filha mais nova, portadora Síndrome de Dravet, enfrenta desde o primeiro dia de vida. “Ela era recém-nascida e teve uma crise de epilepsia. Desde então, passamos mais em hospitais do que na nossa casa”, comenta.

Levou mais de dois anos para que Carol fosse diagnostica com a síndrome que é considerada uma doença rara, grave e degenerativa. Em 2014, por exemplo, Carol não saia mais da cadeira de rodas. “Esse foi o pior ano dela. Se a gente não segurasse, ela caia no chão”, recorda a mãe. No ano seguinte, a situação não mudou. “Tivemos diversas internações ‘pipocadas’. Ficávamos 20 dias em casa e 20 no hospital. Recebemos esse diagnóstico em agosto. Caiu o mundo de toda nossa família quando ficamos sabendo. Mas, arregaçamos as mangas e fomos atrás de soluções, porque não tínhamos como fazer o contrário”, afirma.

Sabendo qual era o diagnóstico da filha e com as orientações médicas em mãos, Liane foi atrás do óleo. “Nós não tínhamos como pagar. Ele era importado e custava cerca de R$ 3 mil”, pontua. A solução encontrada pela família foi de ingressar na justiça, para garantir que o governo custeasse o medicamento. Ficou decidido que o Estado e o Município iriam dividir as despesas. Com isso, Liane recebeu três óleos em 2016 e três em 2018. “Mesmo com o parecer judicial, eles só nos deram seis óleos. Precisávamos de mais. Assim que ela parava de usar, as crises voltavam. No Brasil, eles vendem no mercado negro, por cerca de R$ 500, comprei, mas não recomendo. Já tínhamos feito empréstimos, adiantado décimo terceiro e vaquinha online, para trazer o importado. Nossos recursos tinham acabado e o nacional era a única alternativa. Não sabemos como ele é feito. Porém, no desespero e pela minha filha, acabei fazendo”.

Em 2016, Liane e a mãe, Maria Alice Pereira, foram para a Marcha da Maconha em São Paulo. Lá, conheceram famílias que tem portadores de Dravet e que plantaram maconha em casa para garantir a produção do medicamento. Dois anos depois, ela voltou a capital paulista. “Participei de um curso que ensinaram a fazer o óleo. Nele, ganhei duas mudas da planta. Eu e meu marido, que dessa vez foi comigo, trouxemos escondidos no avião. Vim morrendo de medo, mas mais uma vez fiz pela Carol, e valeu à pena.

Mesmo sem o direito garantido por lei, Liane plantou a Cannabis Sativa. “Cada vez que eu escutava uma sirene, ficava com medo que viessem aqui pegar as plantas. Eu sabia que era ilegal, mas ao mesmo tempo, sabia que era legal o que eu estava fazendo pela minha filha”. Além de enfrentar o medo de ser pega, a mãe da pequena Carol, teve que lidar com o próprio preconceito. “Fui criada dentro da igreja. Fiz cursos de jovens. Aprendi que maconha era algo proibido e que não deveria ser utilizado. Além dela, tenho dois filhos. O Guilherme já é adulto, mas a Isabelle ainda é adolescente. Eles entenderam que a maconha é o remédio da irmã”, lembra.

Com as plantas em casa, Liane começou a produzir o óleo. Desde setembro de 2018, ou seja, há mais de 250 dias sem crise. “Ela toma seis gotas do óleo por dia. Caso dê alguma crise, posso dar uma gotinha só, que ele funciona como se fosse um remédio na veia”, ressalta.

Andando e brincando pela casa

Antes de tomar o óleo, além de enfrentar as crises, Carol também não conseguia mais andar. Para se locomover, ela precisava de uma cadeira de rodas. “Ela se alimenta, não usa mais sonda, come sozinha, anda e brinca por tudo. Agora, estamos fazendo fisioterapia para ajeitar a coluna dela. Ela caminhou normal até os três anos e depois ficou na cadeira de rodas. Isso prejudicou muito”, comenta a mãe.

“O pãozinho de Jesus que vai pro coração”

De família católica praticantes, que frequentam a missa todos os domingos, Carol acompanhava o momento da comunhão com atenção. “Ela sempre me perguntava o que era a hóstia e para onde ela ia, que gosto tinha, todas aqueles questionamentos comuns de criança”, conta.

Um dia, Liane pensou em realizar a 1° Comunhão da Carol. Porém, o difícil foi pensar em como seria o processo. “Ela não ia conseguir acompanhar os quase dois anos de catequese”. Com esse questionamento, a família foi até a Paróquia Nossa Senhora das Graças, comunidade que eles frequentam, para conversar com o pároco. “Ele disse que daria para fazer e pediu para que a minha mãe a catequizasse em casa”, relembra.

A avó, Maria Alice Pereira, era catequista da paróquia. “Foi uma experiência totalmente nova pra mim. Além de ser minha neta, eu tava vivendo todas as etapas da doença que ela enfrenta. Foi enriquecedor”. Coruja, a avó, ainda comenta que a neta é uma participante ativa da missa dominical. “Ela canta, reza mais que todo mundo, adora receber a comunhão, que como ela chama é o pãozinho de Jesus que vai pro coração e ainda fala que depois não pode brigar”.

Carol recebeu o “pãozinho de Jesus” pela primeira vez em 2018 (Foto: Paróquia Nossa Senhora das Graças/Reprodução)

Vitória na justiça

Com a decisão, ficou determinado que fica proibida, sem ordem judicial contrária, a apreensão de qualquer semente ou muda da planta que esteja em poder da família. Isso também proíbe que autoridades policiais autuem os pais em flagrante pelo cultivo, semeio e colheita de Cannabis sativa. A sentença pontua que os procedimentos ficam limitados ao endereço da família, e a quantidade dos vegetais a serem cultivados fica limitada às necessidades informadas. A decisão tem período de 12 meses, podendo ser renovada mediante solicitação.

Dravet

Conhecida como uma epilepsia genética da infância, a Síndrome de Dravet é uma doença rara, progressiva e incapacitante que se manifesta no primeiro ano de vida e que é, frequentemente, confundida com convulsões febris.

MATÉRIAS RELACIONADAS

MAIS LIDAS