Corpo de um papa já “explodiu” durante velório, entenda

Quando o corpo chegou ao Vaticano, as autoridades chamaram com urgência uma equipe de tanatopraxistas

A morte do papa Francisco em 21 de abril devolveu ao mundo um raro e solene espetáculo: os ritos funerários papais, conduzidos com uma combinação única de tradição, simbolismo e reverência. A Basílica de São Pedro, em Roma, tornou-se novamente o palco de um adeus coletivo, com milhares de fiéis formando longas filas para prestar suas homenagens ao pontífice argentino, o primeiro papa latino-americano da história da Igreja Católica.

O Vaticano expôs o corpo de Francisco por vários dias, seguindo uma prática tradicional que exige rigor técnico na conservação cadavérica — um aspecto sensível e, por vezes, controverso na história da Igreja. Embora os procedimentos atuais utilizem alta sofisticação, nem sempre foi assim. O caso mais emblemático de falha nesse processo ocorreu em 1958, quando morreu o papa Pio XII, também conhecido como Eugenio Pacelli.

O desastre de 1958: quando um funeral virou escândalo

Pio XII morreu em 9 de outubro de 1958, na residência de verão papal em Castel Gandolfo, após uma parada cardíaca. Presente em seus momentos finais estava Riccardo Galeazzi-Lisi, o controverso “arquiatra pontifício” — título reservado ao médico oficial do papa. Envolvido em diversas polêmicas, Galeazzi-Lisi protagonizou uma das maiores vergonhas fúnebres do Vaticano.

Dias antes da morte de Pio XII, o médico vendeu fotos do pontífice hospitalizado à revista francesa Paris Match, atitude vista como profundamente antiética e que já gerava desconforto entre os altos escalões da Santa Sé. Mas o verdadeiro escândalo veio após o falecimento.

“Osmose aromática”: da inspiração cristã à decomposição acelerada

Ignorando métodos clássicos de embalsamamento, Galeazzi-Lisi aplicou uma técnica experimental que dizia ser baseada em práticas dos primeiros cristãos: a chamada “osmose aromática”. O procedimento envolvia a aplicação de óleos, ervas e resinas sobre o corpo, envolto em celofane — numa tentativa de conservá-lo de forma “natural” e “sagrada”.

O que se seguiu foi um colapso total. O calor do outono romano acelerou o processo de decomposição. Já na primeira noite, o corpo começou a inchar devido ao acúmulo de gases. O odor tornou-se insuportável. Guardas papais desmaiavam, e os turnos de vigilância foram reduzidos. Mas o pior ainda estava por vir.

LEIA MAIS:

Durante o traslado do cadáver até o Vaticano, uma explosão dentro do caixão — causada pela pressão interna dos gases — apavorou os ocupantes do veículo. O cortejo foi interrompido às pressas na Arquibasílica de São João de Latrão, onde tentaram conter os danos. Mas era tarde: o corpo apresentava sinais graves de decomposição, como pele enegrecida, músculos faciais colapsados e um “sorriso macabro”, como descreveria depois o historiador Antonio Margheriti.

Intervenção emergencial e punição exemplar

Quando o corpo chegou ao Vaticano, as autoridades chamaram com urgência uma equipe de tanatopraxistas. Os profissionais realizaram um novo embalsamamento e aplicaram uma máscara de cera e látex no rosto de Pio XII para disfarçar os danos. Mesmo assim, durante os nove dias de velório, o corpo do pontífice permaneceu inchado e desfigurado, o que causou grande constrangimento entre os presentes.

O episódio marcou de forma definitiva o destino de Galeazzi-Lisi. Embora ninguém o tenha responsabilizado formalmente pela decomposição, os cardeais decidiram expulsá-lo do Vaticano antes mesmo do início do conclave que elegeu João XXIII. Galeazzi-Lisi morreu em 1968 e nunca mais voltou a exercer funções ligadas à Igreja.

Aprendizado institucional e modernização

Desde então, o Vaticano adotou procedimentos mais rígidos. O funeral de João XXIII, em 1963, marcou uma virada nesse sentido. Embalsamado pelo professor Gennaro Goglia com uma solução de formaldeído injetada pelas artérias, o corpo foi mantido em perfeito estado durante todo o luto. O sucesso consolidou os protocolos que continuam sendo usados até hoje.

No caso do papa Francisco, fontes do Vaticano confirmaram o uso de métodos modernos de preservação, respeitando os avanços científicos e a tradição católica. A grande afluência de fiéis e a presença de líderes mundiais, incluindo o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, que desembarcou em Roma acompanhado por ministros e parlamentares, reforçam a dimensão histórica do evento.

MATÉRIAS RELACIONADAS

MAIS LIDAS