A volta do prefeito Jairo Jorge (PSD) ao cargo deu fim ao ciclo de 360 dias afastado pela Operação Copa Livre, mas não a investigação que enfrenta. Como todo processo criminal, o trâmite caminha em sigilo, mas novos fatos foram noticiados ao Judiciário pedindo um novo afastamento e, conforme informações obtidas com exclusividade pela coluna, este pedido deve ser julgado ainda em abril.
Ministério Público Estadual (MP) e Ministério Público Federal (MPF) não se manifestam oficialmente sobre os desdobramentos do caso. Nenhuma palavra para não prejudicar o trâmite ou alertar a defesa. Informalmente, no entanto, muito se sabe. Sabe-se, inclusive, que estão trabalhando juntos e que uma nova fase prática de operação “pé na porta” não é descartada.
Jairo retornou graças a uma mudança na competência de quem julga o caso. Ele é acusado dos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, peculato e fraudes em licitações e a defesa utilizou isso para federalizar o processo. O trâmite saiu da 4° Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e foi para o Tribunal Regional Federal da 4° Região. Com isso, criou-se um vácuo entre o término do último afastamento e o julgamento de um novo em uma nova corte.
Mas um novo pedido de afastamento já foi sim protocolado e traz “fatos novos e extremamente graves”. A comparação, segundo interlocutores que acompanham o caso, é direta com o caso que tirou o mandato do prefeito de Cachoeirinha, Miki Breier (PSD). Alguns acreditam que se a estratégia da defesa foi boa para voltar, não será assim tão boa quando o MPF colocar em prática a fase midiática já sua esfera de atuação. Outra pergunta que se faz é até quando ele fica?
O novo pedido de afastamento foi protocolado em meados do dia 20 e precisa, obrigatoriamente, ser julgado entre 30 e 40 dias. Favorável ou não, alguma decisão sobre um novo afastamento sairá ainda em abril.
Relembre o que aconteceu
Em 31 de março de 2022, o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS), por meio da Procuradoria da Função Penal Originária e do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) – Núcleo Saúde, com o apoio do 1º Batalhão de Polícia de Choque da Brigada Militar, desencadeou a operação Copa Livre. Seis pessoas foram afastadas de seus cargos na prefeitura de Canoas: o prefeito, um assessor direto do gabinete dele, o secretário de Planejamento e Gestão, o secretário de Saúde e dois servidores.
Ao todo, foram cumpridas 81 medidas cautelares contra 24 pessoas físicas e 15 empresas. Sete dessas empresas foram proibidas de contratar com o poder público. Essas medidas cautelares foram cumpridas em endereços comerciais e residenciais, em instituições e órgãos públicos de Canoas, incluindo a casa do prefeito Jairo Jorge, Porto Alegre, São Paulo/SP, São Bernardo do Campo/SP, Barueri/SP, Santana do Parnaíba/SP, Nova Iguaçu/RJ, Niterói/RJ e Contagem/MG.
A ação apura possíveis crimes de peculato, corrupção ativa, corrupção passiva, falsidade ideológica, supressão de documentos, fraude à licitação, organização criminosa e lavagem de dinheiro em contratações diretas, com dispensa de licitações, promovidas pela prefeitura de Canoas a partir de janeiro de 2021. Conforme o MPRE, “o Poder Executivo canoense passou a ser comandado por uma organização criminosa composta por dois núcleos: um político, que assumiu a prefeitura, e outro empresarial. O objetivo da organização criminosa é desviar dinheiro público”, afirmou o órgão à época.
Quais são os contratos
Entre os cinco contratos fraudulentos investigados neste momento, que somam R$ 66,7 milhões, estão a gestão do Hospital de Pronto Socorro de Canoas, a prestação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e a contratação de serviços de limpeza e copeiragem, segundo o MPRS todos claramente direcionados a empresas e entidades previamente definidas pelo grupo criminoso investigado, visando o enriquecimento ilícito dos integrantes. “O núcleo empresarial se beneficiava com contratos fechados fraudulentamente com a prefeitura de Canoas e repassava parte do valor recebido ao braço político”, explica o coordenador do Gaeco – Núcleo Saúde, Marcelo Dossena Lopes dos Santos.
O coordenador do Gaeco, João Afonso Silva Beltrame, destaca que as evidências não deixam qualquer dúvida de que esses processos de contratação não passaram de mera armação fraudulenta dos investigados para favorecimento das empresas beneficiadas. “O aprofundamento do trabalho investigativo acabou por revelar a atuação de verdadeira organização criminosa, que tem por escopo o desvio de dinheiro público não por meio de um único contrato fraudulento, mas também de vários outros. Trata-se, a toda evidência, de um amplo e abrangente projeto criminoso comandado pelo atual prefeito”, pontua o coordenador do Gaeco, João Afonso Silva Beltrame.
Na ocasião, a defesa dizia: “O prefeito Jairo Jorge provará nos processos judiciais sua inocência. Segundo ele, é preciso provas e não meras convicções. Ninguém é culpado antes de ser julgado, todos são inocentes até que se prove efetivamente a culpa. Por isso, não há motivos para a manutenção do afastamento do cargo de prefeito, como admite o próprio Ministério Público. Além do fato de que todas as testemunhas foram ouvidas e faltam apenas dados bancários para completar a investigação, Jairo Jorge cumpriu rigorosamente as medidas cautelares e não tem histórico de práticas ou denúncias de corrupção”.
Após tomar posse, Jairo Jorge disse que se manifestará apenas nos autos do processo.